segunda-feira, 11 de abril de 2011

Receita Secreta

Conto especialmente confeitado para os fãs da Manu.

Receita Secreta

Bem no melhor momento do bombom, no momento mais “Huuum!”, quando o chocolate se mescla com o licor e a cereja, Manuela passou mal. Desmaiou na rua. Um bando de pivetes levou sua bolsa, seu celular, seus óculos escuros e seus pacotes de bombons recém-comprados na Receita Secreta. Um camelô chamou a ambulância, que levou a moça a um pronto-socorro, de onde ela saiu com um diagnóstico de indigestão ocasionada por compulsão alimentar e a recomendação de procurar uma terapia para tratar seus problemas com a comida.

Um reconfortante bolo de nozes com sorvete a esperava em casa. “Compulsão alimentar?”, pensou Manuela, derramando calda de caramelo sobre a nutritiva escultura. “Minha compulsão se chama Juliano. Desde que ele foi embora, não consigo me controlar.” Acomodou-se na cozinha e começou a comer às pressas, enquanto pensava no ex-colega de trabalho. “Dizem que ele foi posto na rua por minha culpa. De certa forma, foi mesmo. Mas eu pedi desculpa e ofereci ajuda pra encontrar outro emprego. Ele que não quis. Preferiu trabalhar com a mulher, abrir uma segunda loja de doces, mais uma Receita Secreta. Aquela mulher dele, com jeito de mosca morta! Só serve pra cozinhar, mas cozinha bem, tenho que admitir. Que bolo mais huuum!”

*           *           *

Enquanto nadavam na fonte da praça, os meninos de rua decidiam seus negócios:

— Descobriram quem é a dona da bolsa?

— É aquela dona esquisita, que vive rondando a doceria do seu Juliano.

— Isso eu já sei! Descobriram o nome dela?

— O Gilsinho descobriu. É Manuela Alguma Coisa. Tava nos documentos.

— E telefone? Descobriram o telefone?

— O Gilsinho achou na agenda.

— Então fala pro Gilsinho ligar pra ela e pedir resgate. Manda dizer que, se ela não pagar, a gente vai vender os documento e o celular.

— Sei não... A dona é amiga do seu Juliano...

— Amiga nada! Ela só entra na loja quando ele não tá.

*           *           *

Manuela pagou o resgate, recebeu seus pertences de volta e convidou o pequeno sequestrador para devorar um rocambole trufado na Receita Secreta.

— Vem, menino! Pode confiar em mim. Eu tenho um negócio pra te propor.

*           *           *

Impressionada com o tino comercial de seu comparsa mirim, Manuela voltou para casa, felicíssima, a despeito de uma dorzinha no estômago. “Acho que exagerei. Preciso mesmo dar um jeito nessa compulsão Juliana ou vou acabar engordando. Tá decidido! Vai ser na segunda-feira,” pensou, digitando o número de sua irmã no telefone. “A inútil da Bebel vai ter que me dar cobertura, nem que eu precise esfregar na cara dela todos os favores que ela me deve. Afinal, pra que servem as irmãs?”

*           *           *

Depois de conversar com Manuela, Bebel foi visitar Juliano. Estava se sentindo uma péssima irmã.

— A Manuela mandou você aqui pra comprar as receitas dos nossos doces? — perguntou Juliano.

— Não. Ela não me mandou aqui. Eu resolvi vir antes que ela faça uma bobagem. A Manu anda obcecada pelos doces. Ela acredita que a sua esposa esconde receitas de família, num computador.

— Sei, sei. No computador do primeiro andar — disse Juliano. — Foi uma história que nós inventamos pra imprensa, quando precisamos promover a loja. Como funcionou, instruímos as atendentes a repeti-la pros clientes. É puro marketing.

— Eu fiz ideia. Acontece que a Manu acredita e quer minha van emprestada pra... pra... Olha, eu vou contar de uma vez. A Manu me ligou hoje. Ela quer roubar as receitas. Pare de rir! É sério. Ela quer subir na van pra alcançar o primeiro andar e... Pare de rir! Você tem que me vender as receitas antes que a doida da minha irmã vá presa. Ela é maluquinha, mas é inofensiva. Não merece uma coisa dessas.

— Não merece, é? Por acaso a sua “irmãzinha inofensiva” contou pra você por culpa de quem eu perdi o emprego?

*           *           *

Na segunda-feira seguinte, Bebel ajudou Manuela a invadir a Receita Secreta, mas — em vez de esperar ao volante, como combinado — foi embora logo que a irmã, usando a van como escada, alcançou a varanda.

— Volta, Bebel! Que que foi?

Manuela andou ansiosa pela varanda, enquanto, de uma casa do outro lado da rua, Juliano, escondido com Gilsinho, gravava a cena.

Gravou as tentativas inúteis de abrir a porta e as janelas. Gravou a olhadinha desesperada para baixo e o balançar negativo da cabeça diante da altura. Gravou os tapas na grade. Só não conseguiu gravar o pensamento de Manuela: “Que droga! Os pivetes garantiram que iam deixar uma janela entreaberta.”

Manuela tirou uma caixa de bombons da bolsa. “Melhor que a encomenda!” pensou Juliano, dando um close na caixa. A marca “Receita Secreta” aparecia bem. Três bombons depois, Manuela pulou da varanda, caiu de mal jeito e foi embora mancando.

O vídeo com “a ladra da doceria” fez sucesso na rede. A loja vendeu como nunca. Manuela se curou da “compulsão Juliana” e nunca mais falou com a irmã.

13 comentários:

  1. oi Carla,

    que delicia de texto,
    com ou sem Receita Secreta ele nos inspira a devorar uns docinhos...
    é muito envolvente..

    adorei,
    uma segunda docinha
    beijinhos

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  2. Essa Manuela não se emenda? Está demorando para ela alcançar um mínimo de consciência. Quando, Carla, voce decidirá lhe dar umas palmadas?...rs. beijos!

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  3. Eu bem que bati, Shirley, mas querer que a Manu evolua espiritualmente em menos de sete reencarnações é exigir demais dela. :) Beijos!

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  4. Ai que maldade... não se pode mais confiar em ninguém nesse mundo!!! kkkkkkkkkkk

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  5. É isso, Carla;
    nossas experiências de vida provam que colhemos os frutos de nossas ações.Não sou de fuçar sentido em cada texto que leio, mas este é especial, é lição de vida.
    Abraços!

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  6. Pô, sacanagem! Eu sou o único que torço pra Manu por aqui???

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  7. Que delicia de texto, assim como é delicioso seu conteudo. Eu que o diga que tambem sou muito... muito guloso.

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  8. Carla, a leveza de sua prosa e a graça de seu enredo tornam insustentável considerar a gula um pecado capital.

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  9. Olá Carla, desejo que tudo esteja e permaneça bem contigo!
    Ora vejam, novamente a Manu aprontando,mas, desta vez ela não foi feliz, e conseguiu em parte compensar a maldade que havia feito com Juliano, menos mal. Belíssimo texto Carla, além de delicioso, mas, como ninguém mais gosta de chocolate além de mim, opa, brincadeirinha!
    Esta imagem além de bela, e grande provocadora de enchentes na boca, parabéns pela bela postagem, e assim agradeço pelas carinhosas visitas e comentários, e desejo a você e todos ao redor felicidades sempre, grande abraço e até mais!

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  10. Oi, Carla. Fico só remoendo a vontade de escrever aqui, porque no trabalho não é possível fazer comentários (bloqueado) e em casa as obrigações muitas vezes acabam muito tarde... Na primeira leitura que fiz deste conto, só vi o troco "da vida" sobre a Manu, mas agora enxerguei o outro lado do Juliano, que não é santo. Ah, os seres humanos...
    Sabe, gosto muito mesmo da sua capacidade de escrever tão bem com tanto bom humor. Beijo!

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  11. Muito bom e adocicado conto.O nome do blog já é um convite para ser seguido.Parabéns.Sigo-a agora com alegria.Bjs no dia do beijo,

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  12. Olá, Carla
    Adorei a continuação da história da Manuela. Espero que haja mais episódios...
    Menina, mas como há gente maldosa nesse mundo!
    Essa Manuela merecia mais do que um simples coxear ou mancar, quando pulou da varanda.
    Mas Deus não dorme... ela há-de receber um castigo grande. Depois do que fez ao pobre Juliano ainda lhe querer roubar as receitas!!!
    Que mazinha!

    Bom restinho de semana. Beijinhos

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  13. O texto é delicioso e não é só por causa do chocolate, não.
    Irmãs! Quem sabe o que vão fazer!!!!
    Parabéns, poetisa. Adorei o conto.

    Abraços!

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