sábado, 26 de fevereiro de 2011

Compreensão


Poça d’água,
Mar eterno
Para o inseto
Que ali nasce
E mal vive
Mais que um dia.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Linhagem

É mais fácil orgulhar-se de quem já fez do que fazer por sua vez.

Linhagem

Poema bastardo
Bateu porta em porta
Vendendo seus falsos
Brasões de família.

Diz vir de outras terras:
Espanhas ou Franças...
Talvez Alemanhas
De vagas lembranças.

Poema de rua
Viveu vira-latas
Catando outros cantos
Que perto passavam.

Cantigas perdidas
Uniram-se a ele
Gerando versinhos,
Histórias, pregões
Que vagam vendendo
Seus falsos brasões.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Aos Poetas


Aos Poetas

Quisera saber mais sobre esta lida
De ver a própria dor de dor repleta
Surgir como cantiga enternecida,
Fazer valer a pena ser poeta.

Quem dera tal vontade desmedida
De ver como o poema se completa
Mostrasse como se completa a vida
Qual dor que no cantar se faz concreta.

No entanto meu caminho já termina.
Mal deixo a quem seguir a mesma sina
Poemas mapeando falsas metas.

Mas sei que, após andar assim a esmo,
O verso é quem se escreve por si mesmo,
A vida é quem se inscreve em nós, poetas.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Canção do Inconsciente


Canção do Inconsciente

Trarei pequenas verdades
Somente se o espelho antigo
Forrar com seus estilhaços
A estrada por onde sigo.

Trarei o sopro dos sonhos
Brincando de ventania
Enquanto minhas procelas
Singrarem a noite fria.

Trarei de rios e lagos
Sereias envelhecidas,
Tecendo o sono afogado
Nas almas dos suicidas.

Passando a viver inteiro
No mundo que agora invades,
Qual sombra nos teus caminhos,
Trarei pequenas verdades.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Tô Grávida

Texto ficcional, em homenagem a uma avó estarrecida

Tô Grávida

Minha filha chegou e me disse: Mãe, tô grávida.

Foi assim, de repente. Quero dizer, foi de repente que ela me disse. A gravidez em si não teve nada de repentina. Fazia tempo que andavam praticando.

— Foi bom pra você também, querida? — perguntei.

Sou uma avó moderna, detesto crendices, mas sei que concepção sem diversão gera bebês com cara de tédio. Já pensaram que horror, meu neto nascendo com jeito de burocrata? As visitas chegando no quarto e encontrando uma pastinha 007 como enfeite de porta!

— Fica tranqüila, mãe, seu neto foi muito bem transado. Eu pelo menos me diverti pra valer!

— Como assim, querida? Só você se divertiu? E o rapaz? Você não forçou a barra, forçou? Não fez o pobrezinho transar contra a vontade, fez?

Ela me olhou de lado, sem responder, como se esperasse que eu esquecesse o assunto ou mudasse de pergunta. Insisti:

— Foi sexo consensual, não foi, minha filha?

— Como assim “consensual”? — ela perguntou.

— Você sabe, a palavra diz. “Consensual”, sensual para as duas (ou mais) partes. Quer dizer que todos os envolvidos gostaram, que ninguém fez nada à força.

— Ah, é isso! — riu com alívio — Pode desencanar. Foi consensual elevado ao cubo, todas as partes adoraram. Boa noite, mãe!

Ela foi dormir e eu desencanei. Depois pensei melhor e encanei de novo. Como assim “consensual elevado ao cubo”? Como assim “todas as partes adoraram”?

— Ei, menina, explica melhor! Quantas partes envolvidas tem esse consenso?