segunda-feira, 9 de agosto de 2010

QUASE SERIAMENTE

Esta crônica pegou 3o lugar num concurso em Canoas - RS. Isso foi no milênio passado. Se fosse hoje, obteria melhor classificação, pois está atualíssima.


QUASE SERIAMENTE

Nestes tempos em que alguns medicamentos mais valem como placebos, que tal refletirmos, quase seriamente, sobre certas questões da saúde?

A Ciência é cheia de ziguezagues e verdades parciais provisórias. Faz testes em roedores e aplica os resultados em humanos. Faz testes em humanos e aplica os resultados na Bolsa de Nova York.

Vive mudando de ideia. O mesmo sujeito que descobriu a cura da fadiga pós-pileque através dos comprimidos de carambola volta à televisão e desmoraliza os fabricantes da droga. Diz que o medicamento não funciona e que, em altas dosagens, pode até causar tendinite, pois a embalagem é dura de abrir.

Alvoroço geral: congressos, simpósios e debate-bocas a respeito do tema "A Captação da Essência Carambolesca na Transmilenaridade Farmacológica"; usuários arrependidos pensando em readerir ao suflê de confrei em pó; camelôs apregoando a liquidação dos últimos frascos de "Carambola Pills®" importadas do Paraguai.

Quando a poeira baixa, saem novas pesquisas, desmentindo as antigas. Cai, novamente, o confrei e ressurge a carambolatria.

Desse modo, um cientista só consegue prestígio ao ser apontado como o redesdescobridor de nem ele sabe o quê.

Vejamos a questão da saúde. A TV mostra um pronto-socorro cheio de pobres, que resolveram passar mal logo naquele dia exato em que os médicos, os remédios e as ambulâncias estavam de férias. Surge a violenta tele-indignação popular. Ultrajado, o espectador quer vingança, clama por ela, mas vai se acalmando enquanto assiste à matéria seguinte: a câmera trepidante mostra o PM Francelino Ferreira fazendo o parto de uma balconista na fila de um caixa-rápido. Um repórter comovido diz que a mãe do bebê pretende batizá-lo como Cleyton Francelino e quer que ele seja médico de shopping center (profissão pra lá de moderna) quando crescer. Consumidores, sintam-se a salvo!

Enquanto o Francelininho não cresce, a balbúrdia na saúde passa bem. Chovem ideias, nada se aproveita. Baixos salários? Corrupção? Despreparo? Privatizar? Re-estatizar? Explodir de vez?

Se vale qualquer palpite, sugiro a criação do "Pronto-Socorro de Autoatendimento" ("Pronto-Me-Socorro", para os íntimos).

No pronto-me-socorro, casos bobos como tiros de raspão, mordidas de animais de boca pequena, flechadas, envenenamentos e fraturinhas simples seriam tratados pelo próprio infeliz que sofre com eles.

Para você resolver sozinho essas insignificâncias, haveria toda a estrutura necessária. Por exemplo:

- farmácia self-service, com setor para degustação de novos lançamentos;

- sistema "drive-thru" para fraturados, começando pela radiografia, passando pelo engessamento automático e terminando na máquina de assinaturas, onde seu gesso novinho receberá autógrafos e dedicatórias de seus astros preferidos;

- sala de auto-observação, com espelho no teto e maca redonda opcional.

O transporte do paciente ficaria também por sua própria conta. Em caso de emergência, o estrebuchante motorizado colocaria, no teto de seu carro, um sinalizador luminoso igual aos das ambulâncias e sairia feito doido, com a sirene ligada.

Ainda restam dúvidas sobre os casos de omissão de socorro, negligência e imperícia. Se você demorar para se atender, tratar-se com descaso e fizer um serviço porco, deve ser punido? Deveria ter sua licença de automedicação cassada? Eu acho que depende. Se sobreviver, talvez deva.

3 comentários:

  1. Cara CArla Ceres
    Elogia-la é chover no molhado mediante tantos prêmios conquistados.
    Nós piracicabanos devemos no orgulhar em tê-la como nossa representante na cidade chamada de "ATENAS PAULISTA"
    ELDA NYMPHA

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  2. Muito obrigada, Elda! Eu que me sinto orgulhosa por sua presença no blog e pelo carinho do pessoal de Pira. Beijos!

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  3. Textos belíssimos os seus, Carla! Percebe-se facilmente a sua facilidade em cativar o leitor. O mais importante é que você usa um vocabulário rico mas popular, não obrigando a mim, leitor inculto, a servi-se do dicionário o tempo todo. Li todas as suas crõnicas do blog, todas nuito boas. Li também sua biografia no blog "biografias-bibliografias" e quanto reconhecimento, Carla! É um prêmio inesperado tê-la a ler minhas crônicas.
    Muitíssimo grato, querida!

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